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"Ó avô tu dás graça. És enrugadinho, tens a cara amachucada, a roupa sempre direitinha e cheiras a creme daqueles que o papá usa para fazer a barba. Gosto de olhar para ti porque tens na cara todas aquelas caras que fazemos quando estamos contentes, tristes, zangados ou quando alguém nos faz uma surpresa. Eu acho que as pessoas vão guardando as caras que vão fazendo desde que são pequeninas. Às vezes ponho-me a fazer caras esquisitas ao espelho mas elas não ficam, deve ser só quando somos velhinhos que ficamos com as caras todas. Tu andas devagar mas com vontade e tens sempre as mãos atrás das costas. No outro dia perguntei-te porque andavas sempre assim com as mãos atrás das costas e tu disseste que era porque já não precisavas delas para andar porque já tinhas agarrado tudo. Eu ri-me porque tu dizes sempre coisas que eu não percebo. Mas acho bem, anda como quiseres porque os avôs como tu devem andar como querem. Mas tira as mãos às vezes para me dares a mão a mim e andarmos devagarinho. A mãe diz que tu já és velhinho e temos que aproveitar-te bem. Eu aproveito! Cheiro-te sempre que te vejo e gosto de te mexer na cara. Gosto de passear contigo e gosto de ficar à janela contigo a ver as pessoas passar. Ficas tanto tempo à janela! Já te perguntei se não te fartas mas tu sorris e dizes que gostas de ver as pessoas apressadas na rua e inventar histórias para elas. É isso que fazes com a avó? A avó está naquele sítio para avós que estão muito velhinhos. Foi o que a minha mãe me disse. Ela ficou muito velhinha e já não se lembra das coisas. Se calhar a cabeça dela encheu e apagou tudo. Mas tu vais lá todos os dias, avô. A mãe diz que ela já não está cá, só o corpo dela. Isso faz-me confusão. Foi para onde? Porque é que foi só a cabeça? É que deve fazer-lhe falta lá no sítio onde ela está. Se calhar deixou cá o corpo para ti, avô. Para tu ires lá vê-la e apertar-lhe a mão. Vais até esse sítio dos avós, de mãos atrás das costas, todos os dias e dás-lhe a mão. Eu acho que já percebi! Tu guardas as mãos para as coisas especiais! Para mim, para o mano, para a mãe e para a avó. Eu gosto da avó mas não me lembro muito dela e ela não se lembra de mim. Mas tu lembras-te dela não é avô? Tu lembras-te dela e por isso vais lá todos os dias contar-lhe para ver se ela se lembra? Tu dizes que não. Dizes que vais lá não para ela se lembrar de ti mas porque tu te lembras dela. És esquisito avô, eu não te percebo porque tu dizes coisas complicadas. Falas pouco mas quando falas parece que estás a contar adivinhas. Mas olha, eu acho que a cabeça dela deve gostar que tu vás lá dar-lhe a mão, se calhar não sabe é dizer. A mãe diz que só o corpo dela é que está cá connosco, eu não sei nada disso mas acho que se ele ficou cá foi por ti avô, para tu tirares as mãos de trás das costas e dares-lhe a mão."
fonte: mais-psi
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